Segurança alimentar e as políticas públicas em movimento: quais são os planos do Brasil?

Com um novo fôlego para as políticas públicas dedicadas à área social, o país vem construindo um novo momento para planos e programas. Representantes de ministérios, secretarias e órgãos federais que participaram do 6º ENPSSAN se debruçaram sobre uma profusão de dados apresentados e discutidos durante o evento. O encontro se tornou uma oportunidade para a provocação de uma agenda atualizada para o enfrentamento à fome. 

Valéria Burity, secretária Extraordinária de Combate à Pobreza e a Fome do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, apresentou o Plano Brasil Sem Fome no painel “Fome, desigualdades, políticas públicas e comida de verdade no Brasil: Dados atuais, balanço dos programas de governo e as pesquisas em andamento”. O programa foi estruturado a partir dos graves dados apresentados pelo Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil (VIGISAN), da Rede Penssan. Os números indicavam que 15% dos domicílios brasileiros estavam em situação de insegurança alimentar grave. 

“O plano tem três eixos: acesso à renda, redução da pobreza e promoção da cidadania. As grandes metas do Brasil Sem Fome são tirar o país do mapa da fome, reduzir a insegurança alimentar e nutricional e as taxas de pobreza, com comida de verdade, considerando as desigualdades e a crise climática”, contou Valéria. 

O trabalho que o ministério vem mobilizando desde o início de 2023, quando o atual governo assumiu, já tem mostrado êxito. Dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) indicam que a insegurança alimentar grave no Brasil foi diminuída em 2023, quando comparada a 2022. 

“A redução foi de 85%. Acreditamos que estamos no caminho de sair, em breve, do Mapa da Fome, especialmente quando tivermos a nova pesquisa do IBGE, que vai atualizar os dados de renda. Quando olhamos para a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA), e comparamos os resultados dela com os da Rede Penssan, notamos que tiramos da insegurança alimentar grave 20 milhões de pessoas”, comemorou a secretária.

No painel “Alimentos e alimentação em face da proposta de reconstrução do país: questões conceituais, de pesquisa e de políticas públicas relacionadas com sistemas alimentares, desigualdades, sustentabilidades, saúde humana e mudanças climáticas”, Patrícia Gentil, Diretora do Departamento de Promoção da Alimentação Adequada e Saudável do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, ampliou o debate. 

Patrícia defendeu que a agenda da fome, da insegurança alimentar e nutricional, das desigualdades e da pobreza está conectada com a agenda das alterações climáticas. E que, no epicentro das alterações do clima, está o sistema alimentar hegemônico, vetor dos grandes problemas socioambientais. 

“Precisamos agir. Ter uma estratégia de transição de sistemas alimentares. Não sejamos ingênuos, precisamos ter uma atuação forte e construir uma estratégia de transição que nos permita olhar para saúde do planeta e das pessoas. O Brasil é fator importante, a força da agricultura familiar, da agroecologia, da biodiversidade brasileira, isso precisa estar no centro da nossa agenda”, defendeu ela. 

O trabalho de elaboração de políticas públicas dentro de entidades federais tenta equacionar os problemas. No painel Inter GTs “Cesta Básica de Alimentos – potências e desafios no fomento a sistemas alimentares justos, sustentáveis e culturalmente referenciados”, Lilian Rahal, secretária Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, apresentou a nova Cesta Básica. 

A intenção é que a iniciativa oriente outras políticas públicas de segurança alimentar e nutricional. A nova Cesta Básica contém um conjunto de alimentos que busca garantir o direito humano à alimentação adequada e saudável, saúde e bem-estar da população brasileira. São dez grupos de alimentos da sociobiodiversidade: frutas, verduras e ingredientes próprios de cada uma das regiões do país. In natura ou minimamente processados. 

“A ideia é que o Plano Safra possa olhar para a cesta básica para induzir a produção da agricultura familiar, por exemplo. As políticas precisam ser mobilizadas para chegarmos à oferta de consumo de alimentos saudáveis. Um dos primeiros objetivos da cesta foi trabalhar no âmbito da reforma tributária, para ofertar ao Ministério da Fazenda e aos parlamentares a possibilidade de uma cesta básica que fosse isenta de impostos e outros grupos de alimentos que poderiam compor a lista dos alimentos com a alíquota reduzida”, explicou Lilian. 

Silvio Porto, Diretor-Executivo da Política Agrícola e Informações do Conselho Nacional de Abastecimento (CONAB), criticou a atual estratégia do governo e sugeriu a necessidade de uma mudança substantiva na orientação das políticas públicas nacionais. Durante a sua fala no painel, Porto destacou que o direcionamento do orçamento público federal ainda é voltado para os sistemas alimentares hegemônicos, cujas relações de poder, para ele, são históricas. 

“Os dados da Associação Brasileira de Supermercados mostram que as 100 maiores empresas, de 1500 entrevistadas, concentram 83% do que é comercializado em termos de alimentação no Brasil. É um elemento que mostra o poder da indústria de alimentos, da concentração de terra e em pouquíssimos produtos que formam um sistema alimentar monótono e baseado em ultraprocessados. Se não trouxermos centralidade para o tema da Reforma Agrária, demarcação de terras indígenas e territórios tradicionais, não vamos conseguir avançar na perspectiva de uma ruptura, de uma mudança crucial”, apontou ele. 

Segurança Alimentar é um tema transversal

Os painéis mostram como o tema da Segurança Alimentar é transversal e precisa envolver todos os ministérios e setores do governo federal. Pastas como Educação e Saúde também articulam políticas para promover o combate à fome no país, e são fundamentais para uma ação efetiva do governo. 

A recente aprovação da política nacional de assistência estudantil vai garantir o Programa de Educação Saudável no Ensino Superior (PASES), na intenção de que a comunidade que trabalha com Soberania e Segurança em Saúde Alimentar, incluindo pesquisadores, pense em como a universidade pode ser um espaço para a promoção da segurança alimentar e nutricional. De acordo com Alexandre Brasil Carvalho da Fonseca, Secretário da Secretaria de Educação Superior, metade dos 1000 campi de institutos e universidades federais no Brasil têm ensino superior. Com a previsão de construção de 315 Restaurantes Universitários, serão 80% até 90% dos campi com restaurantes. 

“Qual vai ser o papel desses restaurantes? Como eles vão dialogar com a produção, com agricultura familiar, com as políticas de assistência no território? Precisamos avançar e pensar em como ter nas universidades um espaço de promoção de uma alimentação saudável, a promoção da soberania e da segurança alimentar e nutricional”, afirmou ele. 

Na Saúde, o movimento Mais Saúde da Família, que impulsiona o aumento de equipes multiprofissionais, pretende diminuir o número de pessoas atendidas por equipe, na intenção de singularizar cada vez mais e propor políticas mais direcionadas para o território, à luz do que as evidências sobre insegurança alimentar apontam. 

“As nossas equipes conseguem compreender esse território, essa dinâmica e inclusive personalizar essas quase 8 milhões de pessoas que estão em insegurança alimentar e nutricional grave. É nesse movimento que trazemos o discurso de que combater a fome é também reestrutura a Estratégia de Saúde da Família”, defendeu Gilmara Lúcia dos Santos, Diretora do Departamento de Prevenção e Promoção da Saúde da Secretaria de Atenção Primária à Saúde do Ministério da Saúde.



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