Nota de repúdio sobre o genocídio do povo palestino: pelo Direito Humano à Alimentação Adequada

A Rede de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan) vem a público expressar repúdio às atividades político-militares de caráter genocida e de corte neofascista exercidas pelo governo de Israel contra o povo palestino, intensificadas nos últimos 600 dias, que já provocaram a morte de mais de 60 mil pessoas, das quais 60% mulheres, crianças e pessoas idosas, segundo dados internacionais, além de deixar centenas de milhares de feridos na Faixa de Gaza. 

É importante ressaltar que o número de mortos em Gaza é superior à contagem oficial, conforme apresentado por estudos de várias instituições, entre elas a Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, da Universidade de Yale. E de acordo, também, com publicação da revista The Lancet.

Esses ataques não tiveram início no último biênio, mas sim no ano de 1948, quando da criação forçada do estado de Israel, atendendo a interesses do imperialismo estadunidense na região e de outros países ocidentais pós-Segunda Guerra Mundial. Os sionistas não reconhecem o direito de existir do povo palestino. Uma das formas de justificar suas ações genocidas é desumanizá-los, o que, nitidamente, é um mecanismo colonial e expansionista do capital imperial em crise que se vale, assim como do fascismo clássico, do artíficio do apartheid e da limpeza étnica.

O Comentário Geral nº 12 da Organização das Nações Unidas (ONU), de 1999, intitulado “O direito humano à alimentação”, foi resultado da Cúpula Mundial da Alimentação realizada no ano de 1996, ocorrida em Roma. No parágrafo 2, o Comentário explicita a construção em que houve o encaminhamento importante sobre a definição do conceito e das formas de operacionalização do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA), criados a partir de uma interpretação acerca do art. 11º do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Pidesc): 

O direito à alimentação adequada realiza-se quando cada homem, mulher e criança, sozinho ou em companhia de outros, tem acesso físico e econômico, ininterruptamente, à alimentação adequada ou aos meios para sua obtenção. O direito à alimentação adequada não deverá, portanto, ser interpretado em um sentido estrito ou restritivo, que o equaciona em termos de um pacote mínimo de calorias, proteínas e outros nutrientes específicos. O direito à alimentação adequada terá de ser resolvido de maneira progressiva. No entanto, os Estados têm a obrigação precípua de implementar as ações necessárias para mitigar e aliviar a fome mesmo em épocas de desastres, naturais ou não.

Na Faixa de Gaza, mas também na Cisjordânia, as situações vivenciadas pelo povo palestino tornam inequívocas as inúmeras violações ao DHAA. Estas situações se configuram desde a proibição da atividade agrícola do povo palestino imposta pelo Exército de Israel até, em especial em Gaza, ao impedimento de entrada de alimentos sólidos nos campos de ajuda humanitária. A ajuda, registrada ao vivo, está sendo usada como armadilha para matar mais palestinos. Apenas no último mês de maio, 516 palestinos foram assassinados enquanto buscavam sacos de farinha.

Registre-se que, no Brasil, o Decreto nº 30.822, de 6 de maio de 1952, assinado pelo então presidente Getúlio Vargas, promulgou a Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio, concluída em Paris, em 11 de dezembro de 1948, na III Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas. A Convenção é clara sobre o que é um genocídio, assim definido em seu artigo II:

[…] qualquer um dos seguintes atos cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso:

(a) Matar membros do grupo.

(b) Causar sérios danos físicos ou mentais a membros do grupo.

(c) Submeter intencionalmente o grupo a condições de vida destinadas a causar a sua destruição física, no todo ou em parte.

  1. d) Imposição de medidas destinadas a impedir o nascimento de crianças dentro do grupo.

(e) Transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo.

Como todo crime, o genocídio requer punição. A Convenção prevê, em seu artigo III, punição para os seguintes atos, além do genocídio: (1) conspiração para cometer genocício; (2) incitamento direto e público à prática de genocídio; (3) tentativa de cometer genocídio; e (4) participação no genocídio.

É sabido que o governo sionista de Israel optou por romper unilateralmente o cessar-fogo iniciado em janeiro de 2025, com base no mesmo documento que já tinha sido apresentado em maio de 2024, e não aceito por Israel. Se o acordo tivesse sido respeitado, todos os reféns estariam em casa, e Gaza poderia estar sendo reconstruída.

Tão grave quanto o genocídio é o silêncio por parte da grande imprensa e de alguns organismos internacionais sobre as condições de fome impostas na Palestina, em especial, pela ausência da ação internacional contra o genocídio em curso, o que reforça o posicionamento da Rede Penssan que exige do Estado brasileiro rompimento político e econômico com Israel, bem como um posicionamento definitivo junto ao Conselho de Segurança da ONU. 

Recentemente, o presidente Lula teve a oportunidade de vetar o projeto de lei que institui o dia da amizade Brasil-Israel, a ser celebrado em 12 de abril, e, não o fazendo, a lei foi promulgada pelo Congresso Nacional, em uma atitude claramente pró-sionismo. Membros da Polícia Federal brasileira estiveram, em junho de 2025, em Israel para acompanhar a entrega de equipamentos adquiridos de uma empresa israelense. Recursos públicos brasileiros são transferidos a um estado sionista, seja pela compra de armas e equipamentos de segurança, seja pela venda do petróleo brasileiro.

A história já vivenciou genocídios e o uso da fome como arma de guerra. É inadimissível que o mundo aceite as diversas formas de assassinato social que acontecem neste momento. A crueldade explícita nas ações impunes que desterritorializam pessoas, induzem sofrimento e resultam nos crimes de fome e morte supera qualquer tentativa diplomática de negociação e estabelecimento de acordos para dar fim a um conflito insolúvel. Sabemos que as crises e as guerras são inerentes ao modo de produção capitalista e configuram-se como estratégias para sua reprodução. 

A vida não pode ser uma condição negociável. O estatuto da Rede Penssan é claro: devemos contribuir para a realização do Direito Humano à Alimentação Adequada, palestinos são pessoas humanas, não podemos nos calar! Pois entendemos que os momentos históricos de crise da sociabilidade capitalista são oportunidades para construção de outras formas sociais de organização humana e outros mundos possíveis. Silêncio e inação são cumplicidade. Busquemos denunciar, resistir e romper com caminhos de destruição da vida coletiva!



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