O 6º ENPSSAN foi um marco de renovação de pacto da Rede Penssan com a pesquisa cidadã. A entidade de pesquisadoras e pesquisadores tem como objetivo maior a produção de conhecimento científico focado nas populações historicamente segregadas – seja das grandes pesquisas nacionais, seja da produção acadêmica.
Ao longo do Encontro, representantes da Rede Penssan apresentaram o aplicativo Vigisan, um site de acesso livre, para coleta e gestão de banco de dados de pesquisa, por meio de formulários estruturados.
“A ideia do App foi disponibilizar para pesquisadoras e pesquisadores um instrumento que possa ser apropriado por organizações e movimentos sociais. Queremos gerar uma capilaridade que possibilite a inclusão de grupos sociais excluídos”, explicou Ana Segall, na atividade do GT Monitoramento da Rede Penssan no 6º ENPSSAN.
A ferramenta tem uma versão inteiramente dedicada à produção científica sobre soberania e segurança alimentar e nutricional para a população indígena. O App-Vigisan já tem 380 pesquisadores cadastrados e foi usado em quatro investigações importantes. Durante a atividade do GT, dois pesquisadores apresentaram seus trabalhos. Uma delas é a professora Verônica Gronau Luz, do curso de Nutrição da Faculdade de Ciências de Saúde, da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Ela conduziu um estudo com povos indígenas do Mato Grosso do Sul. O estado é o terceiro no Brasil em maior número de população indígena. Os povos Guarani Ñandeva, Guarani Kaiowá e Terena somam 97,5% dessa população.
A pesquisa foi motivada pela necessidade de atualizar os dados da situação socioeconômica dos Guarani Kaiowá, após as retomadas de territórios ancestrais. Dezessete entrevistadores indígenas se somaram ao estudo – eles usaram seus celulares para executar a atividade em cinco territórios.
“O aplicativo tem módulos de informações básicas, informações demográficas e domiciliares, dados de saúde e doença, alimentação e nutrição, apoio e proteção social. Alguns dos indígenas que ajudaram na pesquisa eram mestrandos e doutorandos e ajudaram com o questionário, dando palpites sobre as perguntas, palavras e termos”, contou a professora.
O app Vigisan também tem uma versão para pesquisas em territórios urbanos. Edgard Moura, dos Agentes de Pastoral Negros (APNs) mobilizou um estudo na Zona Leste de São Paulo. A pesquisa foi feita em casas dos bairros Cidade Tiradentes, Sapopemba e Brasileia, para avaliar a fome e entender o racismo nessas localidades.
“Trabalhamos o App, mas fizemos algumas mudanças para olhar a fome e a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA), mas com o diferencial de entender o racismo nessa história toda. Algumas perguntas eram para medir violência, assédio, discriminação. Algumas pessoas diziam que não iam a um restaurante há muitos anos, ou que já tinham sido discriminadas em postos de saúde. Percebemos que espaços públicos e escolas ainda colonizam”, explicou o estudioso.
Nesse momento, a Rede Penssan se debruça sobre os novos desafios para o aplicativo: a adequação de um formulário que dê consistência para a coleta de dados sobre as populações em situação de rua e LGBTQIAPN+. A entidade também dedica esforços para realizar a primeira pesquisa nacional de soberania e segurança alimentar dos povos indígenas no Brasil.
Pelo fortalecimento da extensão universitária
Iniciativas como o App Vigisan são fundamentais para que a ciência cidadã e a educação popular sejam alicerces da extensão no Brasil. Esse foi o cerne da fala de Anelise Rizzolo, da faculdade de Saúde e do Programa de Pós Graduação do Mestrado Profissional em Sustentabilidade junto a Povos e Territórios Tradicionais/UnB, durante o painel “Contribuições da extensão e dos movimentos sociais para o ensino e para a pesquisa em SSAN”.
“É preciso ter a realidade social como aliada e ponto de partida. Os movimentos sociais precisam ser reconhecidos como interlocutores e parte da relação da comunidade sociedade-universidade. Queremos ousar nas atividades pedagógicas, incorporando flexibilidade, presença e criatividade. E também promover pesquisa participativa para a produção de evidências. Em um país desigual como o Brasil, é na ausência das condições materiais de vida que vamos encontrar problema e solução, totalidade da relação do indivíduo com o coletivo”, afirmou.
Um exemplo desse modo-contínuo é o trabalho de Gloria Sammartino, professora da Cátedra Libre de Soberanía Alimentaria da Universidad de Buenos Aires, que realizou um projeto de extensão ao curso de Nutrição, em 2016. O grupo, formado por professores e estudantes, trabalhou com uma organização social argentina que luta pelo acesso à terra, pela promoção da agroecologia, sob a perspectiva de gênero e raça.
“Criamos uma metodologia que buscou entender a educação popular, o diálogo de saberes, a importância de uma criação de conhecimento situada na transferência de conhecimentos que produzimos na universidade, mas também na geração de conhecimento que acontece na luta dos movimentos sociais, que surgem da prática de produtores, que geram uma nova produção de conhecimento sem igual. A partir daí, fomos compartilhando muitos conhecimentos. Aparecia muito conhecimento por parte de produtoras e produtores, que tinham a ver com conhecimentos negados, invisibilizados”, contou ela, durante o painel.
Nova geração está atenta às demandas
No 6º ENPSSAN, estudantes de graduação e pós-graduação apresentaram trabalhos e pesquisas para os participantes. As reflexões estão em linha com a proposta de pesquisa cidadã abordada pela Rede Penssan.
Bárbara Knust, de 24 anos, é aluna da graduação em Nutrição da UERJ. Sua pesquisa para o trabalho de conclusão de curso aborda o arcabouço legal de leis que falam sobre as diretrizes da Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN).
“É uma análise das leis que estão cumprindo as diretrizes da PNAN, especialmente a que fala de Segurança Alimentar e Nutricional. Eu estou no movimento estudantil e o que a gente prega é a luta por um Brasil sem fome. Muitos estudantes acabam virando um profissional emagrecedor. Mas todo nutricionista deve saber que o maior caminho é a luta pelo combate à fome”, afirmou ela.
Gleiciane Bueno, de 26 anos, é doutoranda em Nutrição pela UFRJ. Sua pesquisa trata da insegurança alimentar da população negra:
“É muito importante estar aqui para falar sobre esse assunto, porque essas pessoas não têm acesso à alimentação. Compartilhei os dados da minha tese hoje, fiz uma análise das macrorregiões brasileiras, onde eu detecto que as mulheres negras são as que mais sofrem com a fome, principalmente no Norte e no Nordeste”, avaliou.